terça-feira, 5 de agosto de 2008

Revisitando a percepção

Introspectivo, desceu do metrô e subiu as escadas em direção ao ar livre da Avenida Paulista. Desde que voltara de uma viagem com seus camaradas ao redor do velho continente, limitava-se a lamentações. Primeiramente por sentir saudades do caminhar ávido e sedento, dos rostos com expressões diversificadas e das colorações e vibrações fabulosas que cada uma das cidades que visitou apresentaram aos seus sentidos. Em segundo lugar, pois percebera que os ambientes de seu cotidiano permaneciam em sua inércia continua. Tudo andava na mesma com seus amigos, seus familiares, seus conhecidos. E sim, os problemas que deixara a deriva, na esperança de que sumissem, encontravam-se intactos e imóveis.

Saiu de casa depois do almoço, rumando ao encontro marcado com seu camarada de viagem. Tomariam um café e colocariam as novidades pós-Europa em dia. Além do mais, seu amigo era músico, e tinha um ensaio agendado na região da Paulista.

Saindo da estação, andarilhou um pouco entre os prédios, cruzando os botecos lotados de gente em horário de almoço e o escadão do prédio da Gazeta, cheio de universitários conversando e matando o tempo. Deu de cara com o MASP e o Parque Trianon, e virou a esquerda na alameda Casa Branca. Desceu pela calçada, olhando os carros parados no farol e os pedestres circulando, em seus jeitos peculiares. Quando avistou a alameda Santos, com seus prédios comerciais de estilo modernoso, seus restaurantes e sua configuração arquitetônica, teve uma epifania grandiosa. Parou e observou detalhadamente o fenômeno urbano que se desenvolvia ao seu redor. Aquela era uma sensação que fora comum durante a viagem inteira, mas tratava-se de algo que não sentia há tempos em sua cidade.

Tinha-se dado conta de como sua percepção mudara radicalmente de uma hora pra outra. Olhou os lados delimitados por grades da reserva de mata atlântica do Trianon, e virando o rosto avistou uma praça que nunca havia tentado seus olhos. As pessoas circulavam tranquilas e outras sentavam-se nos bancos dispostos pelo jardim. Subitamente, tudo começou a lhe fazer um sentido maravilhoso e inexplicável.

Perguntara-se o tempo todo durante a viagem como que os europeus não ficavam estarrecidos todos os dias com os monumentos, praças, museus e pontes de suas cidades. Lembrou-se deste raciocínio e entendeu a razão. Da mesma forma, a sua cidade estava tão intrínseca no seu ser, que não lhe causava tantos arrepios como causava naquele momento de redescoberta da beleza.

Concluiu que a viagem lhe proporcionara algo mais valioso que qualquer tipo de conhecimento da cultura européia. Ela lhe proporcionara uma nova apreciação e entendimento de seu próprio lar. Feliz com isso, continuou seu caminho tranquilamente, pensando que havia percebido como deve se sentir um mochileiro que visita São Paulo.

Depois de algumas quadras, virou a esquerda na rua José Maria Lisboa e seguiu até o cruzamento com a Avenida Nove de Julho. Parou, esperando que o farol de pedestres abrisse para que pudesse atravessar. Enquanto isso, delineou com o olhar o túnel, os corredores e pontos de ônibus e as árvores enfileiradas. A configuração de São Paulo se tornara outra.

Encontrou seu companheiro, e juntos tomaram um café, discutindo os pontos da cidade que um viajante buscaria em sua visita. Citaram o bairro dos Jardins, a vida noturna da Vila Madalena, a arquitetura do centro, o estádio do Pacaembú, o Memorial da América Latina, o parque do Ibirapuera, a ponte da marginal. E ficaram nesse raciocínio por muito tempo.

Chegada a hora do ensaio, despediram-se.

Recomeçou o andarilhar para retornar a sua casa, e relembrou os problemas que deixara e que permaneciam intactos. Na noite anterior, escrevera seus sentimentos mais profundos em um pedaço de papel que entregaria a uma pessoa especial. Situações complicadas que esperavam por uma solução.

Passou em frente ao prédio dela, e entregou na portaria a carta, sem saber o que esperar, mas com a certeza de que era o certo a se fazer.

Retomou seu caminho. Cruzou pela ponte da Rua Cubatão que passa em cima da Avenida 23 de Maio e ali estancou. Avistou o trânsito, a quantidade de carros e luzes e no fundo o Obelisco e o Auditório do Ibirapuera de Niemeyer com o céu de fim de tarde. Ficou ali por um bom tempo agradando o seu olhar com o desenho da metrópole.

Voltou para casa, recoberto de pensamentos confusos, esperanças e uma consciência nova sobre aquilo que queria de sua vida. Ultrapassou a porta do apartamento e foi de encontro ao descanso mental.

3 comentários:

Anônimo disse...

intenso...essa palavra resume muito vc andré!!! vc escreve de um modo q a pessoa q le se sente andando com vc..compartilhando as suas epifanias..será q seu destino é mesmo escreveR? nao tenho dúvidas!!! quero te ver, quero ver as fotos, quero conversarr!!saudades do meu amigo estranho e diferente, q parece q nao para de crescer!!!

Unknown disse...

André,
Voltei ansiosa para casa para ver seu blog. Adorei! Não consegui ler tudo, mas achei bastante interessante os posts que li. Uma escrita leve, cuidada e doce. Divagações profundas, impressões agradáveis e reflexões necessárias para alguém sensível como você.
À medida que lia este post, lembrava que do meu retorno ao Brasil depois de viajar pela Europa. Também voltei com pensamentos diferentes e, principalmente, vendo o meu país de outra forma. As viagens fazem muito bem para alma, nos tornam pessoas melhores... Mas o que considero mais importante são as lembranças que ficam. Todos os detalhes contados nos seus posts vão ficar para sempre com vc, e só com vc. E, com certeza, essas recordações ainda lhe trarão muitos momentos de paz interior...

Bom, como é minha primeira visita, não poderia deixar de "oferecer" algo que gosto bastante para vc. Então, abaixo, coloco um poema do Alberto Caeiro (Fernando Pessoa). Espero que goste.
Bisous, mon ami de français.
Aline

Sou um Guardador de Rebanhos
Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Anônimo disse...

Aline!!!
E eu estava ansioso para saber a sua opinião. E estou muito feliz com os elogios, especialmente de alguém como você que entende muito do assunto. Obrigado!

Gosto da Caeiro, mas prefiro o Alvaro de Campos, acho ele mais intenso e impulsivo. Mas muito obrigado pelo poema e pela visita.
Apareça sempre.
Bisous