terça-feira, 19 de agosto de 2008

Na Terra de Gaudí - Parte 2

Descansados após algumas belas horas de sono, nos direcionamos ao primeiro ponto do dia: o Mirador de Colombo, localizado em uma praça circular no final das Ramblas. Além da estátua de Colombo, o mirador é repleto de detalhes arquitetônicos e esculturas em toda sua volta. Seu grande atributo, porém, está na vista que proporciona de toda a cidade e do mar. No topo da estrutura, uma sacada circular oferece aos seus olhos uma visão de Barcelona em 360°. Avistamos primeiro a praia, com a Vila Olímpica e o porto cheio de barcos de luxo. O mar tem uma coloração única, esverdeada, e seu encontro com o céu azul profundo e sem nuvens faz um misto de cores incrível.

Dando a volta aos poucos no mirador, focamos o olhar nas avenidas próximas a praia, com suas palmeiras formando corrredores, enquanto o amontoado urbano vai se tornando cada vez mais vigoroso. Aos poucos vamos encontrando os grandes pontos arquitetônicos da cidade: a catedral de Barcelona, a Sagrada Família de Gaudí, a Torre Agbar, etc. Em seguida, avistamos Montjuic, o bairro localizado em cima de uma montanha.

Saindo do mirador, pegamos o metrô e nos dirigimos a Santa Maria Del Mar, uma igreja imponente, porém localizada em meio a diversas ruinhas, sem um grande espaço livre pelos seus lados. Na porta da construção religiosa, um jovem tomava sol com uma garrafa de vinho na mão. Pelos arredores, diversos becos com pequenos prédios cheios de sacadas acolhedoras, com suas cores quentes, seu tom amarelado e pintura gasta.

No caminho para a Sagrada Família de Gaudí, resolvemos comprar um vinho para mais tarde. Entramos em uma loja especializada, e começamos a conversar com o vendedor. Na pauta, mulheres e futebol. Quando citamos as mulheres brasileiras, o vendedor fez uma expressão espontânea, com caretas de aprovação.

Saímos do metrô e demos de cara com a Sagrada Família. A imponência é extrema. Porém, antes de entrarmos na catedral, descansamos em uma praça na qual circulava uma brisa agradabilíssima e constante. De frente para a obra de Gaudí, apreciamos seus detalhes incessantemente: seus traços arquitetônicos angulosos, sua imensidão de rebuscados e suas esculturas religiosas muito peculiares. Mesmo inacabada, seu interior é prova da singularidade e genialidade do arquiteto catalão. A estrutura das colunas é inspirada no desenho de troncos de árvores e seus galhos. Lindo!

Depois de metrôs, andadas e ônibus, chegamos em Montjuic. As ruas arborizadas, sombreadas e inclinadas do bairro são lindas. Seguimos para a Fundação Juan Miró, repleta de quadros fabulosos do pintor. Entre um andar e outro do museu, uma pausa para um café. Ao final do circuito de obras abstratas, uma sacada no último andar do prédio proporciona uma belíssima vista de Barcelona com o sol descendo aos poucos.

O verão europeu é um fator ótimo para conhecer as cidades. Os dias ficam extremamente longos, e por volta de 10 da noite o sol ainda lança uma pequena fresta no céu. Sendo assim, saímos da Fundação Juan Miró por volta de 7 da noite, e o sol estava quente como se fosse 4 horas da tarde. Pegamos um ônibus lotado de gente para retornarmos a região das Ramblas. Nesse caminho, passamos por belas avenidas e pela Universidade de Barcelona. Chegando em nosso ponto, descemos e jantamos. Nos dirigimos as Ramblas para uma voltinha, e nossos olhos captaram uma imagem incrível: uma gari linda e vistosa varria as ruas da cidade.

De volta ao albergue, depois de um banho, fizemos um esquenta com o vinho comprado anteriormente. Saímos pelas ruas em busca de um clube de jazz, com a garrafa de vinho na mão. Fomos informados por um irlandês com sotaque carregadíssimo de que um lugar chamado Harlem Jazz oferecia música de qualidade. Chegando lá, uma banda de pop blues fazia um som agradável porém que decepcionou nossos ouvidos sedentos por jazz. Após algumas cervejas, completamente bêbados, decidimos deixar o clube e andar pela cidade em busca de algo. Novamente, rumamos para as Ramblas, lotada de gente. Embriagados, andamos e andamos sem fim, visualizando as pessoas e a arquitetura da cidade no período noturno. Empregados da prefeitura lavavam as ruas e os monumentos, por volta de 4 horas da madrugada. Cansados, sentamos em uma praça e quase adormecemos nos bancos. Retornamos ao albergue, onde comemos algumas frutas compradas na Boquería e dormimos profundamente.

No dia seguinte, após um almoço de sanduíches naturais, nos dirigimos novamente para Montjuic, dessa vez para visitarmos o gigantesco e belíssimo Museu de Arte de Catalunha. No metrô que sobe o morro, denominado funicular, conhecemos um brasileiro muito simpático, chamado Zé Luís, também viajando por Barcelona. Fizemos o percurso inteiro do museu com nosso novo camarada, e após apreciarmos o acervo, sentamos nas mesinhas do terraço e conversamos sobre diversos assuntos, sempre com um agradável ventinho no rosto.

Após sair do museu, andamos por Montjuic discutindo planos futuros de viagens. Pegamos o metrô e nos dirigimos ao Parque Guell de Gaudí.

Para chegar no parque, uma subida muito inclinada encontrava-se no caminho. Porém, esta é realizada, sem nenhum problema, através de escadas rolantes. Chegando no local, andamos incessantemente pela reserva florestal até encontrarmos a praça de Gaudí, enorme, com um terreno de areia, circundada por pedras e bancos com detalhes em mosaicos coloridos e que possibilita uma vista linda da cidade e do restante do parque. Descemos uma escadaria enorme, de pedras angulosas e demos na Casa de Gaudí, cheia de detalhes e cores incomuns, e com um desenho muito diferente. Impressionante a quantidade de mulheres bonitas circulando pelo parque. Saindo da casa, encontramos um espaço com uma estátua de um lagarto de mosaico, inteiro colorido, e que dava em um local cheio de colunas.

Retornamos de ônibus para a região das Ramblas. Lá, fizemos um jantar de despedida de Barcelona, com Paella e Sangria. Muito bons!

De volta ao albergue, tomamos algumas cervejas Foster's no lounge, enquanto conversávamos com a galera. Depois, fomos ao quarto e arrumamos nossas malas para partir na manhã seguinte rumo a Paris.

Barcelona é viva, única, colorida, cosmopolita, vibrante, singular, peculiar e transpira beleza, juventude, modernidade e história ao mesmo tempo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Na Terra de Gaudí - Parte 1

Barcelona exala cores por todos os seus cantos. Cores vibrantes, que a todo tempo aguçam a sua percepção.

A chegada no aeroporto da cidade já figura como um momento singular. Descendo do avião, entramos em contato com um calor em todos os níveis sensoriais, um calor único e que nos mostra que estamos em um local que trabalha em vibrações totalmente diferentes daquelas com as quais estamos acostumados aqui em São Paulo.

Na passagem pela imigração, um fato peculiar: os policiais responsáveis pelo controle da entrada das pessoas conversam entre si, soltando exclamações a cada mulher bonita e vistosa que passa por eles.

O metrô que nos leva do aeroporto até a cidade transcorre suavemente pelos trilhos, e pelas suas janelas avistamos o subúrbio da cidade, lotado de prédios amarelados e gastos, com varandas repletas de roupas e varais.

Ao sairmos na estação próxima de nosso albergue, localizado na região central de Barcelona, damos de cara com a dinâmica da cidade, que trabalha a todo vapor. Respirando o ar cosmopolita, avistamos a arquitetura belíssima, os táxis pretos e amarelos, as pessoas com expressões quentes e vibrantes falando diversas línguas, e todos os detalhes da configuração urbana. O almoço sentado em uma mesa na calçada possibilita uma imagem singular de toda a movimentação e do trânsito.

Após uma ciesta, seguindo o exemplo dos catalães, caminhamos pelas ruas e avenidas. Depois de cruzar a belíssima Plaza de Catalunya, entramos na fabulosa Avenida Las Ramblas, repleta de estímulos sensoriais. Sua configuração é meio ao estilo Boulevard, com árvores que fazem um caminho sem fim. Um fluxo contínuo e grandioso de pessoas vem de encontro a nós: gente de todo o mundo circula pelo calçadão, conversando, gritando e gesticulando; "Guapas" fluem incessantemente, agradando nosso olhar a cada minuto; artistas de rua, um em seguida do outro, fazem suas performances; homens segurando engradados de cerveja vendem as latinhas, além de, cuidadosamente, oferecerem haxixe a todos que passam por eles.

As vielas localizadas dos lados das Ramblas são tão intensas quanto a avenida. Pessoas passam por ali sem parar, enquanto outras sentam-se nos bares que oferecem sangria e "tapas" e nos pubs ao estilo irlandês.

Ao longo dessas ruinhas cruzamos a todo tempo com brasileiros, sejam eles turistas ou pessoas que moram em Barcelona. Andando a esmo, damos de cara com o mercado de la Boquería, repleto de frutos do mar, frutas de todos os tipos e feirantes simpáticos e espalhafatosos. Circulando mais um pouco, entramos em uma praça com arquitetura antiguíssima, repleta de palmeiras, restaurantes, bares e baladas.

Após o jantar, por volta de 10 da noite, observamos a chegada da noite, com um céu de um azul profundo, e ainda iluminado de leve pelo sol que se esconde aos poucos. A brisa fresca da noite corta nossos rostos, enquanto andamos rumo as Ramblas e cruzamos a todo tempo com mais "guapas". Um garrafa de vinho na mão nos ajuda, de tempos em tempos, a molhar a garganta, seca pelas constantes exclamações de felicidade e pelas conversas incessantes. Perdidos, pedimos informação a um gari, que prestativamente tira do painel do caminhão de lixo um mapa gigantesco de Barcelona e nos informa as direções necessárias. Entramos em um pub, abafadíssimo e barulhento. Conversamos aos gritos com os bartenders originários das mais diversas partes do mundo, e que nos contam um pouco sobre a mística da cidade e sobre os pontos que devemos conhecer.

Após cervejas e tequilas, deixamos o pub já de madrugada, e circulamos mais uma vez pelas Ramblas. Porém, desta vez, o álcool faz companhia à nossa percepção. Bêbados, encontramos pelas ruas pessoas fazendo street dance, bebendo e conversando. Ao cruzar mais uma vez a Plaza de Catalunya, observamos um grupo de jovens jogando Rugby. No saguão do albergue, bebemos mais uma para encerrar a noite e em seguida nos entregamos de corpo e alma às nossas camas.

No dia seguinte, uma caminhada matinal pela cidade revigora nossas almas. Nos dirigimos à Catedral de Barcelona, que mesmo estando em reformas, surge deslumbrante aos nossos olhos. Seu estilo gótico e rebuscado é fabuloso, assim como seu interior repleto de ouro e as pedras que constituem sua estrutura. Uma senhora catalã nos intercepta dentro da igreja, e começa a nos contar histórias religiosas. Andando um pouco, descobrimos um espaço ao ar livre, com uma fonte repleta de peixes e patos. Ao redor desta, árvores e pessoas circulando por corredores de arquitetura gótica. Pegamos um elevador e nos dirigimos ao topo da catedral. Lá em cima, avistamos Barcelona inteira, suas construções e o mar bem ao fundo.

Em seguida, entramos no Museu da História da Cidade. No acervo, muitas ruínas que datam do período de fundação de Barcelona, além de fragmentos da época da dominação romana. Depois de muito andar, deixamos o museu e sentamos em uma escadaria de pedras angulosas. Matamos o tempo agradando o nosso olhar com as pessoas circulando, a arquitetura e os raios do sol de calor agradável.

Depois do almoço, rumamos ao museu Picasso. Por mais clichê que seja, ver um quadro de Picasso no original é absolutamente fantástico, uma experência única. Além disso, "guapas" desviam nossa atenção a todo momento.

Voltando a pé até o albergue, circulamos pelas ruelas e encontramos personagens peculiares. Conversamos por muito tempo com um velhinho francês, violonista de rua, e que falava português perfeitamente. Em seu repertório, composições de Villa-Lobos.

Próximo a Plaza de Catalunya, um senhor catalão e um turista americano discutem devido a um quase acidente de trânsito. O velho demonstra o orgulho de ser catalão ao soltar frase: "Você está na Catalunha. Aqui não se grita!"

Depois de uma dormida, jantamos e nos preparamos para a noite de Barcelona. Após um "esquenta" com vinho, andamos pelas Ramblas em busca de uma balada. Impressionante a movimentação de pessoas pela madrugada da cidade. Uma vida noturna intensa, que começa tarde e que vai até o sol aparecer.

Entramos em uma balada de música eletrônica. Depois de alguns copos de uísque, nos dirigimos a pista, "pirando" no eletrônico pesado enquanto trocamos idéias com as pessoas. Depois de muito dançar, deixamos a balada e rumamos aos bares da praia. A costa iluminada, a areia e o mar mediterrâneo fazem uma combinação perfeita. Rodamos pela orla e pelos portos, e decidimos sentar em um bar. Um cubano bêbado começa a conversar conosco, falando milhares de frases sem sentido nenhum.

Por volta de 5 da manhã, decidimos retornar ao albergue. Até acharmos a estação de metrô, andamos por uma hora pela belissima madrugada de Barcelona. As Ramblas ainda estão repletas de gente bebendo e conversando.

Chegando no albergue, encerramos a noite com um trago e nos dirigimos ao descanso.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Revisitando a percepção

Introspectivo, desceu do metrô e subiu as escadas em direção ao ar livre da Avenida Paulista. Desde que voltara de uma viagem com seus camaradas ao redor do velho continente, limitava-se a lamentações. Primeiramente por sentir saudades do caminhar ávido e sedento, dos rostos com expressões diversificadas e das colorações e vibrações fabulosas que cada uma das cidades que visitou apresentaram aos seus sentidos. Em segundo lugar, pois percebera que os ambientes de seu cotidiano permaneciam em sua inércia continua. Tudo andava na mesma com seus amigos, seus familiares, seus conhecidos. E sim, os problemas que deixara a deriva, na esperança de que sumissem, encontravam-se intactos e imóveis.

Saiu de casa depois do almoço, rumando ao encontro marcado com seu camarada de viagem. Tomariam um café e colocariam as novidades pós-Europa em dia. Além do mais, seu amigo era músico, e tinha um ensaio agendado na região da Paulista.

Saindo da estação, andarilhou um pouco entre os prédios, cruzando os botecos lotados de gente em horário de almoço e o escadão do prédio da Gazeta, cheio de universitários conversando e matando o tempo. Deu de cara com o MASP e o Parque Trianon, e virou a esquerda na alameda Casa Branca. Desceu pela calçada, olhando os carros parados no farol e os pedestres circulando, em seus jeitos peculiares. Quando avistou a alameda Santos, com seus prédios comerciais de estilo modernoso, seus restaurantes e sua configuração arquitetônica, teve uma epifania grandiosa. Parou e observou detalhadamente o fenômeno urbano que se desenvolvia ao seu redor. Aquela era uma sensação que fora comum durante a viagem inteira, mas tratava-se de algo que não sentia há tempos em sua cidade.

Tinha-se dado conta de como sua percepção mudara radicalmente de uma hora pra outra. Olhou os lados delimitados por grades da reserva de mata atlântica do Trianon, e virando o rosto avistou uma praça que nunca havia tentado seus olhos. As pessoas circulavam tranquilas e outras sentavam-se nos bancos dispostos pelo jardim. Subitamente, tudo começou a lhe fazer um sentido maravilhoso e inexplicável.

Perguntara-se o tempo todo durante a viagem como que os europeus não ficavam estarrecidos todos os dias com os monumentos, praças, museus e pontes de suas cidades. Lembrou-se deste raciocínio e entendeu a razão. Da mesma forma, a sua cidade estava tão intrínseca no seu ser, que não lhe causava tantos arrepios como causava naquele momento de redescoberta da beleza.

Concluiu que a viagem lhe proporcionara algo mais valioso que qualquer tipo de conhecimento da cultura européia. Ela lhe proporcionara uma nova apreciação e entendimento de seu próprio lar. Feliz com isso, continuou seu caminho tranquilamente, pensando que havia percebido como deve se sentir um mochileiro que visita São Paulo.

Depois de algumas quadras, virou a esquerda na rua José Maria Lisboa e seguiu até o cruzamento com a Avenida Nove de Julho. Parou, esperando que o farol de pedestres abrisse para que pudesse atravessar. Enquanto isso, delineou com o olhar o túnel, os corredores e pontos de ônibus e as árvores enfileiradas. A configuração de São Paulo se tornara outra.

Encontrou seu companheiro, e juntos tomaram um café, discutindo os pontos da cidade que um viajante buscaria em sua visita. Citaram o bairro dos Jardins, a vida noturna da Vila Madalena, a arquitetura do centro, o estádio do Pacaembú, o Memorial da América Latina, o parque do Ibirapuera, a ponte da marginal. E ficaram nesse raciocínio por muito tempo.

Chegada a hora do ensaio, despediram-se.

Recomeçou o andarilhar para retornar a sua casa, e relembrou os problemas que deixara e que permaneciam intactos. Na noite anterior, escrevera seus sentimentos mais profundos em um pedaço de papel que entregaria a uma pessoa especial. Situações complicadas que esperavam por uma solução.

Passou em frente ao prédio dela, e entregou na portaria a carta, sem saber o que esperar, mas com a certeza de que era o certo a se fazer.

Retomou seu caminho. Cruzou pela ponte da Rua Cubatão que passa em cima da Avenida 23 de Maio e ali estancou. Avistou o trânsito, a quantidade de carros e luzes e no fundo o Obelisco e o Auditório do Ibirapuera de Niemeyer com o céu de fim de tarde. Ficou ali por um bom tempo agradando o seu olhar com o desenho da metrópole.

Voltou para casa, recoberto de pensamentos confusos, esperanças e uma consciência nova sobre aquilo que queria de sua vida. Ultrapassou a porta do apartamento e foi de encontro ao descanso mental.