segunda-feira, 26 de maio de 2008

Mergulho no passado

Já se passara mais de uma hora desde o começo da aula. No tablado, o professor tagarelava incessantemente sobre algo relacionado à política externa norte-americana.

Enquanto isso, sua mente entrava em devaneios profundos sobre as sensações do passado. Junto a isso, misturavam-se preocupações, lembranças de obrigações e melodias de canções escutadas nos últimos dias. Subitamente, lembrou-se de quando ia na loja de discos junto com seus amigos, e de como depois disso iam na casa de alguém do grupo para passar a tarde inteira ouvindo as obras que tinham comprado. Foram tempos prazerosos e doces, nos quais as maiores preocupações eram, basicamente, discutir e escolher os melhores guitarristas, a melhor banda e fazer listas dos músicos favoritos.

No canto da sala alguém espirrou, e a busca do tempo perdido foi interrompida por um momento.
Olhou ao redor e observou seus amigos. Fazia quase um ano e meio que os conhecia e se espantou ao perceber como tinham se tornado parte fundamental de sua vida. Pensou na amizade em geral, e em todos aqueles que se encontravam em sua galeria de pessoas indispensáveis e naqueles que em algum momento estiveram presentes no seu cotidiano. Lembrou do ano anterior, de como havia sido movimentado e proveitoso. As bebedeiras constantes, as discussões políticas e artísticas acaloradas, as tardes quentes e ensolaradas no campus da faculdade, o afeto especial por determinadas pessoas. Muitos abraços suaves haviam feito seus dias mais felizes naquele ano, e tentou recordar o afago que tinham proporcionado. Risadas, olhares, danças e amores rodavam pela sua consciência.

Adentrou profundamente a arca de tempos antigos. Recordou-se dos jogos de futebol nas aulas de educação física do primário, nos quais todos corriam incessantemente atrás da bola, sem a mínima noção de posicionamento em quadra.

Um livro caiu na cadeira da frente, e alguém saiu para ir ao banheiro. O professor tossiu, bebeu um gole de água e retomou o raciocínio.

Pensou que precisaria estudar e ler os textos desta matéria antes da prova. De quebra lembrou da época pré-vestibular: dos medos, das paranóias, a pressão dos professores, o estudo incessante. As tardes eram ocupadas com cadernos, livros, contas, datas, tabelas e nomes difíceis. Ainda assim encontrava tempo para rir de alguma futilidade juntamente com os amigos. Os almoços com o pessoal antes da aula a tarde se transformavam em grandes confraternizações, nas quais falavam mal de algum professor, zombavam de alguma situação e lamentavam-se pela quantidade de matéria que precisava ser vista e revista. Mesmo sofrendo com o cansaço, chorou quando o terceiro ano terminou, e recordou a melancolia que o acompanhara naquela época.

A porta do passado tinha sido aberta. De repente, sentiu que todos ao seu redor ficaram de pé, ao mesmo tempo em que mais vozes passaram a caminhar pelo ar. Levantou a cabeça e observou a sala.

Fim de aula: hora do almoço.

5 comentários:

Anônimo disse...

aandré, tava lendo um texto do aristoteles, e lembrei de vc em alguns pedaços, li o seu blog e nao resisti :os mais velhos vivem com foco no passado, que por terem sido enganados e cometido faltas em diversas ocasioes,tudo fazem com cautela e dizem menos do q convém,têm suas opinioes mas nada sabem ao certo, amam como se um dia pudessem odiar e odeiam como se um dia pudessem amar, vivem de recordacoes mais do q esperanças, pois o que lhes resta da vida eh curto em relacao ao passado- nao esperava nada mais de vc dé.. o homem com coracao de criança e alma de quem nao nasceu na epoca certa!!! anos..50? haha bjos

Anônimo disse...

Hahahaha...Anos 50 tah bom má...ai eu teria uns 17 no fim do anos 60 uahauhauah.
Muito bom o trecho do aristóteles, depois me passa o texto dele.
Bjoss

Unknown disse...

Tava procurando a revista flâneur do RS que meu professor de sociologia me indicou, aí achei seu blog. Não li o primeiro texto porque nem me interesso tanto por Pink Floyd, mas resolvi ler o segundo texto e realmente gostei muito dele.
Muito me identifiquei, como por exemplo essa divagação no meio da aula sendo interrompidas por movimentos e sons sutis... ou até mesmo porque alguém me chama. Também me identifiquei com o terceiro colegial, tão corrido e ao mesmo tempo dava para escapar no almoço, ficar zuando com os amigos antes da aula à tarde. Muito isso!

Adorei demais o seu blog. Vou linkar no meu pra continuar visitando :)

Anônimo disse...

Gente nova é sempre bem vinda!!!
Obrigado pelos elogios. Oq seria RS?
Vi que você é uma futura jornalista. Também estou nesta empreitada haha.
Apareça.
até mais

Diego disse...

André, isso me lembrou o dia que entre cadillac e cervejas você me disse: "Diego, estudei pra caralho pra isso aqui mano!"

gostei desse relato.

grande abr